Querido Diário,
O Natal foi interessante. Papai tirou três dias de folga e criou a maior dificuldade, sem perceber, para eu conseguir me drogar. Tive que fingir cólicas pré-menstruais para poder ficar sozinha em meu quarto.
Ao subir a escada, parei quando ouvi ele dizer: "Mas estamos no Ano Novo... estou de férias... Por que ela quer ficar sozinha?"
Ouvi mamãe explicar naquela sua vozinha delicada e muito sábia que eu era uma adolescente. "Os pais são uma chateação para os adolescentes, Leland... Temos sorte que ela passe tanto tempo conosco. Ficou fora de casa só por três horas durante o Ano-Novo, e voltou antes da meia-noite para celebrar conosco."
Mamãe estava fazendo um bom trabalho, então prossegui meu caminho para o quarto, em busca de privacidade e uma bem merecida carreira. Uma carreira cura todos os males.
Bobby e eu passamos um Ano-Novo realmente bom, como mamãe disse, durante três horas. Das oito e meia às onze e meia. Fomos para o clube de golfe, onde cerca de trinta casais tiveram o mesmo plano: pegar um cobertor e a droga de sua escolha (o álcool foi o grande campeão, embora Bobby e eu tenhamos fumado um baseado), e ficar abraçadinhos na grama olhando as estrelas.
Estávamos mais longe dos outros, mas perto o suficiente para ouvir, enquanto fumávamos o baseado, os outros casais fazerem planos para o ano e pedidos às estrelas. Bobby virou de lado e pôs o baseado na minha boca. Traguei, e lembro-me de ter pensado: "Ele vai falar alguma coisa muito séria... estou sentindo".
Ele deu uma profunda tragada, segurou, olhou para cima, soltou a fumaça... olhou para mim.
- Laura...?
- Oi, Bobby. - Eu estava me sentindo muito bem. Adoro um baseado.
- Laura, eu sinto muito que às vezes as coisas entre nós tenham que ser como são. Quer dizer, gostaria que nós dois... eu não sei.
- Ah, Bobby, vamos lá. Eu estou ouvindo você. Continue.
- Não posso dizer por você, mas às vezes sinto que estamos tão próximos... Mesmo quando não estamos dormindo juntos. Somos tão íntimos...
Virei-me de lado e apoiei a cabeça na mão. Há muito tempo não conversávamos. Também estávamos bem chapados.
- Continue, eu concordo.
- Outras vezes... sei lá que diabo é o quê. É como se eu estivesse fazendo da minha vida uma merda... toda a merda de Bobby Briggs... mas isso não me afeta como talvez devesse. Entende?
Queria entender, então dei a dica. - Você quer dizer, há uma parte de você que vai à escola, participa do coro, trabalha meio período, ou seja lá o que for, mas a outra parte, aquela que sente e se importa com as coisas, está lá dentro adormecida?
- É... É mais ou menos isso. Mas estou perdendo o mais importante.
Ele me ofereceu a última tragada do baseado. Eu aceitei, e fumei enquanto ele ainda segurava entre os dedos. Adoro o cheiro da pele de Bobby. Dei a última tragada, e ele continuou.
- Estive pensando que você e eu estamos juntos só porque é isso que esperávamos que fizéssemos. Isso faz sentido para você?
Concordei. Sabia o que ele estava dizendo.
- Eu não quero que fiquemos juntos por causa de um trato que fizemos porque... quero dizer, Leo e toda a "neve" na casa dele. Às vezes acho que isso não tem importância, outras acho que se você tivesse de escolher entre mim e a neve... Bom, acho que eu perderia.
Baixei os olhos para o cobertor onde estávamos sentados. Tentei ver o xadrez no escuro, mas só enxerguei vagas sombras do preto e vermelho que eu sabia que tinha. Puxei um pedaço de lã nervosamente. Por fim consegui erguer os olhos para ele.
Disse-lhe que às vezes eu escolheria a coca sim, mas que eu escolheria a coca a qualquer outra pessoa. Disse que não queria magoá-lo, ou a qualquer outro. Apenas sentia que às vezes só era boa companhia para mim mesma, pelo que está acontecendo com a minha vida.
Ele disse que talvez entendesse isso, mas queria saber se eu achava que a coca era o problema.
Disse a ele, muito calmamente, que só tinha começado a gostar realmente da coca porque não tinha que pensar em "problema" nenhum. E que gostava de maconha pela mesma razão.
Lembro-me de dizer: "Não posso lhe contar nada, Bobby. Não posso simplesmente. Entendo que você queira me deixar por causa disso, mas não posso contar a você nem a ninguém". Eu sabia que a coca era um problema, mas não era nada perto de BOB.
Ele não disse nada por um bom tempo. Depois me beijou. Beijou-me longamente, e quando parou, e olhou para mim, disse que eu não conhecia todos os problemas dele, e que ele tentaria entender as vezes que eu não quisesse dar saltos de alegria. Algo mais ou menos assim. Depois disse que sentia que pertencíamos um ao outro, pelo menos naquele momento.
As coisas ficaram estranhas pelo resto da noite. Não de um jeito ruim, mas diferente da maneira como Bobby e eu costumamos ficar quando estamos juntos. Continuamos ali durante horas, e depois, e isso estou dizendo
sinceramente, fizemos amor.
Sem jogos, sem controles, sem ego, sem maus pensamentos ou pensamentos sobre qualquer outra coisa exceto sobre o que estava acontecendo. Foi fantástico. Nós dois achamos isso.
Sabia que amava Bobby naquele momento, e sei que o amo agora. Só queria saber se posso me permitir ter qualquer um desses sentimentos puros e maravilhosos sem criar problemas com BOB.
Por que sempre, sempre tenho que pensar duas vezes sobre minha vida e meus sentimentos? Por que não posso simplesmente amá-lo, lutar junto com ele, beijá-lo etc., sem me preocupar se vou morrer por isso?
Por que outras garotas têm o direito de ser felizes? Por que não posso contar a verdade a ele?
VOCÊ NÃO CONHECE A VERDADE.
Você está aqui.
ESPERTINHA.
O que você quer?
SÓ CHECAR AS COISAS.
Ótimo. Estou aqui. Já checou. Agora vá embora.
VI SUA LUZ ACESA SEIS NOITES SEGUIDAS.
Você e todo mundo que passou na rua.
LAURA PALMER... SEJA BOAZINHA.
Você nunca me ensinou isso.
BOA. DEFINIÇÃO: NÃO SER RUDE.
Já estou num ponto em que nada mais me importa, BOB. Faça o que tiver que fazer.
NÃO TENHO QUE FAZER NADA.
Que bom para você! Agora caia fora da minha cabeça!
QUERO COISAS.
Não consigo ouvi-lo.
NÓS DOIS SABEMOS QUE VOCÊ PODE.
Diário, estou aqui sozinha em meu quarto. Tive um dia maravilhoso, e agora estou sentada na cama, por cima das cobertas, escrevendo em você. Sei que posso controlar isto. Sei que posso VER BOB PORQUE ELE É REAL. UMA AMEAÇA REAL. PARA VOCÊ, LAURA PALMER. PARA TODO MUNDO QUE ESTÁ PERTO DE VOCÊ.
SEJA BOAZINHA. FIQUE CONTENTE POR ME VER.
Nunca!
VOCÊ SÓ TORNA AS COISAS PIORES ASSIM.
Isso é impossível! Saia da minha cabeça, caralho!
GOSTO DAQUI. VOU FICAR MAIS UM POUCO.
Ótimo.
SEJA BOAZINHA.
Boazinha? Oi, BOB, é você? Que bom você ter entrado na minha cabeça. A porta está sempre aberta, você sabe. Por que nós dois não vamos dar um passeio na floresta, BOB? Vamos! Vamos dar um passeio. Podemos jogar o jogo de hoje. O que vai ser... sexo?
NÃO. VOCÊ NÃO PRESTA.
Você está errado.
TENTE DE NOVO, LAURA PALMER.
Não vale a pena.
TENHO UM RECADO.
Recado de quem...?
DE UM HOMEM MORTO.
Estou ficando louca! Você não é real! É simples. Preciso procurar um médico porque estou criando isto. Tenho que me cuidar. Calma. Preciso ter calma.
RECADO: UM LUGAR ESTÁ SENDO GUARDADO PARA VOCÊ... LAURA PALMER.
Pare!
VOLTO LOGO.
Está vendo? Você está na minha cabeça. Ninguém mais além de você sabe os detalhes do meu sonho com a morte. Nem mesmo Bobby. BOB não é real.
Laura
Marcadores: 1988